O velho, o mar e o navio autônomo
Por Giselli Nichols
Mestre em Estudos Marítimos pela Escola de Guerra Naval
O velho, o mar e o navio autônomo
Quando Ernest Hemingway escreveu uma de suas obras mais famosas, O Velho e o Mar, muito provavelmente não imaginava poder sair mar a fora em um barco autônomo comandado por algoritmos e tecnologias disruptivas. O fato é que a humanidade estará experimentando, em um futuro não muito distante, uma nova condição no transporte de pessoas e bens impulsionada pelo avanço tecnológico. Em alguns anos, a computação avançada poderá colocar de lado os velhos remos e aposentar os homens e mulheres do mar e substituí-los por sistemas embarcados com Inteligência Artificial (IA).
Autores como Kurzweil (2010)[1], Bostron (2018)[2]e Harari (2015)[3] nos oferecem um olhar singular sobre as vastas possibilidades da IA no atendimento das necessidades humanas. Apesar de suas severas críticas, o futuro é iminente. De impressionantes humanoides como Sophia[4], a robô da empresa chinesa Hanson Robotics, a navios totalmente autonavegáveis, como Sea Hunter da DARPA (Defense Advanced Research Projects Agency) a ascensão das máquinas inteligentes já não é mais uma questão de “se vai acontecer”, mas de “quando vai acontecer”.
Autonomia a toda carga
É nessa estrada pela qual navega a humanidade que empresas como a norueguesa Yara (2018)[5]e a britânica Rolls Royce (2016)[6]vêm se debruçando sobre novas formas de redução do custo do transporte de carga por vias marítimas com a implementação da IA em navios autônomos. Os projetos prometem revolucionar o setor naval em poucos anos.
O Yara Birkeland, o primeiro navio de contêiner totalmente elétrico e autônomo do mundo, é um divisor de águas na indústria marítima global. Batizado com o nome do fundador da Yara, o famoso cientista e inovador Kristian Bikerland, uma das principais contribuições do navio é para com a preservação ambiental por ser um veículo zero emissões (VZE). De acordo com a empresa, a embarcação evitará 40 mil viagens rodoviárias que são habitualmente feitas da fábrica de fertilizantes da Yara para portos noruegueses, reduzindo o nível de NOx (óxido de hidrogênio) e CO2 (dióxido de carbono) emitidos pelos caminhões. As operações estão programadas em etapas. A primeira delas, iniciada em maio de 2017, contava ainda com tripulação a bordo. A navegação com o navio totalmente autônomo deverá se iniciar em 2020.
Em um acordo relativamente recente com a Google e a Intel, a Rolls Royce está desenvolvendo navios cargueiros autônomos embarcados com Inteligência Artificial de última geração. O sistema pretende deixar os navios mais seguros e eficientes, com previsão de já estar singrando os mares e oceanos em 2025.
O projeto prevê a utilização da Cloud Machine Learning Engineda Google para treinar o sistema de classificação da Rolls Royce que possui capacidade para detectar, identificar e rastrear objetos de superfície. Uma das tecnologias críticas do projeto é o sensoriamento externo para dar uma perspectiva precisa e constante sobre o entorno da embarcação em várias condições operacionais e climáticas. Outro aspecto importante é a navegação e prevenção de colisão fornecidas por meio de algoritmos de controle. Uma terceira questão igualmente crucial é o acompanhamento do funcionamento do navio, que será feito por meio da conectividade via satélite com a tripulação baseada em terra. Para o desenvolvimento do navio inteligente, a empresa foi buscar conhecimento no que já existe em matéria de IA, desde drones de aviação, smartphonesaté carros não tripulados.
Há ainda os navios militares autônomos, como o SeaHunter, desenvolvido pela DARPA (Defense Advanced Research Projects Agency). Mas este é um assunto para uma outra hora.
Desafios legais
A operação de uma embarcação autônoma, tanto em águas jurisdicionais ou internacionais, tem um impacto significativo nas regras aplicadas a ela. Os desafios de construir e operar navios autônomos possuem nuances ainda não mapeadas em sua totalidade.
A Convenção Internacional para Salvaguarda da Vida Humana (SOLAS) dispõe que os navios devam ser suficiente e eficientemente conduzidos por uma tripulação de segurança mínima adequada para cada tipo de tripulação. No Brasil, a NORMAM 01/DPC, regulamentada pela Diretora de Portos e Costas (DPC), da Marinha do Brasil, também estabelece tripulações de segurança nas embarcações, em concordância ao tratado internacional.
Os próximos desafios vão girar em torno de uma legislação para o uso de embarcações autônomas que sejam trazidas ao direito brasileiro e internacional do mar. O avanço das novas tecnologias demonstra a necessidade latente da análise jurídica sobre como lidar com a realidade que se faz cada vez mais presente.
REFERÊNCIAS
[1]KURZWEIL, Ray. The singularity is near. England: Duckworth, 2010.
[2]BOSTRON, Nick. Superinteligência: Caminhos, Perigos e Estratégias para um Novo Mundo. São Paulo: Darkside Books, 2018.
[3]HARARI, Yuval Noah, Sapiens, uma breve história da humanidade. São Paulo: L&PM, 2015.
[4]HANSON ROBOTICS. Hi. I’m Sophia. Disponível em: https://www.hansonrobotics.com/sophia. Acesso em: 10 jul. 2019.
[5]YARA. The first ever zero emission, autonomous ship. Disponível em: https://www.yara.com/knowledge-grows/game-changer-for-the-environment/ Acesso em: 10 jul. 2019.
[6]ROLLS ROYCE. Autonomous ship. The next step. Disponível em: https://www.rolls-royce.com/~/media/Files/R/Rolls-Royce/documents/customers/marine/ship-intel/rr-ship-intel-aawa-8pg.pdf. Acesso em: 10 jul. 2019.