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08 agosto 2019

Navegação offshore: novo horizonte energético

Larissa Toledo1

Por Larissa de Faria Toledo
Mestre em Direito Marítimo pela Universidade de Oslo
Advogada no Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr e Quiroga Advogados


Navegação offshore: novo horizonte energético

Não é de hoje que se discute a transição da matriz energética mundial, composta substancialmente por fontes não renováveis, destacando carvão, petróleo e gás natural, para fontes alternativas de energia. Mais recentemente, iniciativas de organizações internacionais e agentes privados demonstram que tal superou o ambiente meramente acadêmico e se firmou como realidade prática. Neste artigo, abordamos genericamente o que o novo horizonte energético representa para a navegação offshore e o que podemos esperar em termos de impactos, desafios e oportunidades. Não trataremos da problemática dos combustíveis de embarcações, mas apenas da alteração na dinâmica da atividade de navegação offshore em virtude da passagem para uma matriz energética mais limpa e sustentável.

Inicialmente, falar em novo horizonte energético implica reconhecer não apenas a necessidade, mas também e principalmente o interesse da sociedade em geral na inversão quantitativa da utilização de fontes de energia não renováveis. A trajetória para uma matriz energética que proporcione redução substancial da emissão de gases poluentes exige investimento em fontes de energia renováveis, tais como solar, eólica e geotérmica, de forma considerável e diversificada.

A mudança de nome da gigante estatal norueguesa, anteriormente Statoil e hoje Equinor, deu sinais claros de que agentes privados tomariam as rédeas de incentivo ao mercado para a exploração de fontes alternativas ao petróleo e gás natural. Somando-se a outros projetos em geração de energia eólica offshore de larga escala no Reino Unido, Alemanha, Polônia e Coreia do Sul, a empresa publicou no mês passado a outorga pelo governo de Nova Iorque, Estados Unidos, do projeto de construção de uma fazenda eólica offshore com 816 MW de capacidade instalada, que demandará a instalação de 60 a 80 turbinas. Não tardou para a multinacional anunciar a assinatura de um memorando de entendimentos com a Petrobras, para promover a realização de estudos visando o desenvolvimento de um potencial projeto eólico offshore no Brasil. As demais majors do setor de exploração e produção de petróleo e gás natural (“E&P”), incluindo Shell e BP, se articulam na mesma direção.

Nesse sentido, o incentivo à exploração de fontes de energia renováveis somada ao declínio da produção de campos petrolíferos e à crise recente no setor de petróleo e gás natural impulsionou novas formas de utilização das embarcações empregadas na navegação offshore. No Mar do Norte, por exemplo, embarcações de apoio foram utilizadas para fins de acomodação de pessoal durante as etapas de instalação e manutenção de parques eólicos offshore.

Contudo, a navegação offshore se estabeleceu como atividade comercial em torno da indústria de E&P. Os tipos de embarcações de apoio e estruturas flutuantes disponíveis hoje no mercado foram desenvolvidas para atender primordialmente ao setor de petróleo e gás natural. Os modelos contratuais, de gestão de riscos e de alocação responsabilidade se adequam às particularidades dessa indústria.

A própria ordenação do transporte aquaviário no Brasil, consubstanciado na Lei Federal n° 9.432, de 8 de janeiro de 1997, dispõe sobre a navegação de apoio marítimo como tipo especifico de navegação, definida como aquela “realizada para o apoio logístico a embarcações e instalações em águas territoriais nacionais e na Zona Econômica, que atuem nas atividades de pesquisa e lavra de minerais e hidrocarbonetos”[1].

Destarte, a adaptação da navegação offshore não apenas para atendimento à indústria de E&P, mas também para a exploração de novas fontes de energia esbarra em dificuldades técnicas, contratuais e tecnológicas, assim como em entraves e vácuos regulatórios. O desenvolvimento da navegação offshore voltada para fontes de energia alternativas no Brasil demanda alteração legislativa de modo a evitar desentendimentos com os demais tipos de navegação e as regras de proteção à bandeira aplicáveis em cada caso.

A percepção acerca do novo horizonte energético não significa que haverá desinvestimento imediato na exploração e produção de hidrocarbonetos ao redor do mundo, tampouco no Brasil. Enquanto se caminha na direção de uma matriz energética mais sustentável, profissionais e estudiosos de todas as indústrias de energia dispõe de tempo, interesse e incentivo por parte de atores públicos e privados suficientes para se vislumbrar as novas oportunidades no setor.

O desenvolvimento de embarcações de apoio adequadas a mais de uma forma de exploração de energia, a reestruturação corporativa interna de operadores e prestadores de serviço e a adaptação de modelos contratuais, de gestão de riscos e de alocação responsabilidade requerem um posicionamento flexível e inovador por parte de todos os agentes envolvidos na cadeia de exploração energética.

Trata-se de um cenário extremamente desafiador para a atividade de navegação offshore, já consolidada em torno da indústria de petróleo e gás natural. Espera-se que o presente artigo sirva de inspiração para discussões e projetos mirando águas muito além do atual horizonte.

 

[1] Artigo 2°, inciso VIII da Lei Federal n° 9.432/1997.

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