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12 agosto 2019

Além da Muralha: gelo e fogo no Ártico

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por Soraya Fonteneles de Menezes.

Doutoranda em Estudos Marítimos pela Escola de Guerra Naval.
Analista de Relações Institucionais da Amazônia Azul Tecnologias de Defesa S/A (AMAZUL).

Além da Muralha: gelo e fogo no Ártico

Tradicionalmente, a região do Ártico pode ser compreendida como a massa situada ao norte do Círculo Ártico (66°33’N), abrangendo territórios de oito Estados: Rússia, EUA, Canadá, Noruega, Dinamarca, Suécia, Islândia e Finlândia. Contudo, disputas por soberania ainda são latentes na região, uma vez que alguns dos chamados “Estados Árticos” mantêm pleitos territoriais de expansão de suas plataformas continentais. Tal latência pode mudar, impulsionada pela rivalidade por recursos e pelo aumento da militarização na região, hoje com a Rússia figurando como seu principal expoente.

A região é rica em recursos não-vivos, constituindo um vasto depósito de hidrocarbonetos, onde se estima que 30% das reservas de gás e 10% das reservas de óleo mundiais estejam na região. Além disso, há um vasto potencial para a mineração, inclusive de terras raras.

No entanto, é pela perspectiva estratégica que o Ártico vem ganhando maior importância geopolítica. As mudanças climáticas impactam fortemente a região, implicando em acelerado derretimento da camada de gelo. Assim, a nova rota marítima pelo extremo norte tem potencial para competir diretamente com canais tradicionais, como Suez e Panamá, além de fomentar o aumento de infraestruturas como portos em altas latitudes e o próprio investimento em navios adequados para a navegação na região.

As expressões “mudanças climáticas” e “aquecimento global” são empregadas reiteradamente quando se trata do Ártico, mas em que impactam essas mudanças? Optamos por uma aproximação de dois grandes fenômenos na região: o derretimento do permafroste suas consequências e a mudança o padrão de incêndios, sem qualquer pretensão de esgotar os temas, dada a complexidade do bioma polar.

Quando se fala em aquecimento global, a correlação é imediata: trata-se da causa do derretimento das calotas polares, levando à elevação do nível dos oceanos que, por sua vez, leva à submersão de diversas ilhas e cidades costeiras. Segundo estudos, o caso de uma hipotética liquefação total do gelo da Groenlândia seria capaz de elevar o nível médio do mar em aproximadamente 7,2 metros[1].

Além disso, o derretimento da camada de gelo chamada de permafrost, ou seja, aqueles solos que permanecem congelados por, pelo menos, dois anos, cuja camada superficial descongela brevemente durante o verão, pode representar um risco ainda maior ao ambiente. Tais solos contêm enormes quantidades de plantas mortas acumuladas por séculos, cuja decomposição será feita por bactérias. Assim, o derretimento do permafrostlibera na atmosfera diversos gases de efeito estufa, como dióxido de carbono, metano e óxido nitroso[2]. Essa liberação acelera o aquecimento global, alimentando um ciclo vicioso. Ademais, o derretimento libera mercúrio, contaminando a água.

             Degelo na Groenlândia | Foto: Steffen Olsen
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fonte: https://www.ecodebate.com.br/2019/08/06/na-groenlandia-o-gelo-derrete-em-velocidade-recorde-rios-fluem-no-permafrost/

 

Outro fenômeno menos evidenciado pela mídia são os incêndios na região polar. Sob circunstâncias normais, o fogo é ocasionado por relâmpados como parte integrada do ecossistema, permitindo a reciclagem de nutrientes no solo, o crescimento de nova vegetação e consequentemente atraindo animais. Contudo, a intensidade dos incêndios e a amplitude das áreas atingidas em 2019 não é apenas incomum, mas também representa um grave impacto ambiental.

A atual combinação de temperaturas elevadas muito acima da média, relâmpagos, ventos fortes e terra seca permitiram que o fogo se espalhasse com rapidez. As consequências são a liberação de gases efeito estufa como o dióxido de carbono, que é transportado pelo vento e se espalha também por regiões próximas.

As principais áreas afetadas foram Sibéria, Alasca e Groenlândia, em tamanha intensidade que as nuvens de fumaça podiam ser vistas do espaço[3]. Na Rússia, 11 de 49 regiões foram atingidas por incêndios sérios. O caso do Alasca é bastante representativo sobre a dimensão da atual crise: mais de 400 incêndios foram reportados [até julho de 2019][4], o que implica na emissão de aproximadamente 50 milhões de toneladas de dióxido de carbono (C0²), quantidade equivalente ao emitido em todos os incêndios florestais árticos nos últimos dez anos[5].

[1]    Fonte: https://www.ecodebate.com.br/2019/08/06/na-groenlandia-o-gelo-derrete-em-velocidade-recorde-rios-fluem-no-permafrost/

[2]    Fonte: https://www.nature.com/articles/d41586-019-01313-4

[3]    Fonte: https://www.theguardian.com/world/2019/jul/26/unprecedented-more-than-100-wildfires-burning-in-the-arctic-in-worst-ever-season

[4]    Idem.

[5]    Fonte: https://www.dw.com/pt-br/inc%C3%AAndios-no-%C3%A1rtico-e-o-c%C3%ADrculo-vicioso-das-mudan%C3%A7as-clim%C3%A1ticas/a-49747514

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