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29 julho 2019

No fundo, no fundo, tudo é ciência

Bruno Costelini2

Por Bruno Gabriel Costelini
Oceanógrafo pelo CEM/UFPR e doutorando em Direito na Universidade de Durham

 

No fundo, no fundo, tudo é ciência 

A Autoridade Internacional para os Fundos Marinhos (ISA, na sigla em inglês) comemorou 25 anos esse mês em sua sede em Kingston, na Jamaica. Acompanhei por duas semanas, como observador, as sessões de seu Conselho e Assembleia, que culminaram na celebração.

Começando pela boa notícia: o jovem cientista brasileiro Maurício Shimabukuru recebeu o prêmio de “excelência em pesquisa”, por seu trabalho com poliquetas, minhocas marinhas de particular relevância nos ainda pouco conhecidos ecossistemas do oceano profundo.

Em tempos de contingenciamentos e de descrença cínica das autoridades na ciência, não foi com pouca satisfação que ouvi Maurício dedicar parte de seu breve discurso de agradecimento para mencionar o apoio recebido da CAPES e FAPESP ao longo de toda sua formação.

A ciência está no centro das discussões travadas no palácio da ISA à beira do Mar do Caribe. Argumentos científicos sustentam as teses tanto daqueles que insistem na preservação dos fundos, como dos que propagam a promessa de minerais mais baratos e limpos para a economia verde do futuro.

No salão principal, onde as coisas se decidem, as delegações dos países signatários da Convenção do Direito do Mar se dispõem em arcos concêntricos, fazendo-se representar por seus diplomatas e, em muitos casos, inclusive do Brasil, por prepostos das empresas mineradoras que patrocinam.

Um pouco afastados, num estande lateral, observadores de países não signatários (Estados Unidos entre eles), ONGs e universidades, não mais que duas dúzias ao todo, acompanham os trabalhos e ocasionalmente intervêm, ao final dos pronunciamentos das delegações nacionais.

Na pauta, o Código de Mineração que definirá as regras para a explotação comercial dos fundos marinhos. Embora não se tenha avançado substancialmente nos debates, fica claro que as delegações consideram que o texto já está razoavelmente maduro e que não retorna mais ao LTC, o comitê técnico de juristas e cientistas responsável por sua elaboração inicial.

Daqui para frente, cabe aos países negociar os últimos ajustes, até o prazo auto imposto de 2020, antes que os contratos de exploração atuais acabem e possam ser convertidos em contratos de explotação. O maior entrave, claro, são os padrões e exigências ambientais.

Não há consenso sobre os impactos que a explotação dos recursos poderá causar sobre os oceanos. Se mais de duas décadas de prospecção foram bem-sucedidas em mapear e quantificar os minérios existentes, o mesmo não pode ser dito dos parâmetros ambientais, físicos ou biológicos, que permitiriam uma simulação precisa do estrago.

Em eventos paralelos, frequentados livremente, lobistas da indústria e de organizações ambientalistas expõe evidências que avalizam suas posições. A Pew Charitable Trustse a Deep Ocean Stewardship Initiative, por exemplo, trouxeram o cientista líder do projeto MiningImpact, financiado pela União Europeia.

Examinando uma área experimentalmente minerada há mais de 30 anos na bacia do Peru, o que se constatou é que a devastação é completa, a fauna bentônica não recolonizou o fundo. Mesmo o impacto das plumas de sedimentos ao redor se estende por uma área muito maior do que o esperado.

Já a DeepGreen, empresa que tem contratos de exploração patrocinados por Nauru, trouxe cientistas e consultores para destacar o potencial de elementos como níquel e cobalto, essenciais para prover baterias de carros elétricos, em construir uma economia livre de dióxido de carbono.

A extração mineral, afirma um deles, é inevitavelmente destruidora. Cita o exemplo dos desastres recentes no Brasil e, enquanto exibe um slide com as fotos de uma espécie de primata ameaçada de extinção pela mineração terrestre de níquel na Indonésia e um pepino do mar, indaga, como fazer uma escolha entre os dois?

Além do Código, discutiu-se ainda a questão do acesso equânime aos benefícios (modelo de divisão dos lucros e capacitação técnica de pessoas de países subdesenvolvidos) e, ao mesmo tempo em que se cobra maior transparência e acesso às decisões da Autoridade, foi aprovada uma série de regras para o credenciamento de novos observadores.

Parece que o isolamento proporcionado pelo palácio construído em meio à pobre ilha caribenha vai crescentemente sendo quebrado e começa a incomodar. Já na segunda semana, a chegada dos representantes do Greenpeace, com seu emblemático navio ancorado em frente à sede, causa frisson.

Àquela altura, todas as principais decisões já estavam tomadas, mas isso não impede a organização conservacionista de se fazer ouvir. Por que levar adiante uma atividade com riscos desconhecidos e abrir nova frente de devastação ambiental quando mal resolvemos os estragos já causados até aqui, perguntam eles. Por que não investir numa economia circular sustentável?

Mas a máquina burocrática de qualquer organização tem seus ritmos e seus propósitos se cumprem como que por inercia, comenta um experiente frequentador de conferências internacionais. Uma vez instituído um órgão para facilitar uma atividade, esse propósito será por ele inevitavelmente perseguido. E que venham os próximos 25 anos, brindamos todos.

Cenas dos próximos capítulos: a governança global dos oceanos e o impacto da ciência sobre ela é um tema complexo e não se resume às decisões tomadas pela ISA. Nas próximas colunas vou explorar alguns dos outros fóruns em que esses embates acontecem, começando pelo BBNJ, que se encontra pela terceira vez em agosto, em Nova York. Até lá!

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Maurício Shimabukuru com o prêmio de “excelência em pesquisa”.

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